América Latina. Alzheimer apaga lugares e memórias da memória. Mas graças às técnicas de realidade virtual, que misturam imagens, sons e até sensações, hoje, um paciente pode revisitar a praia onde passou tantos verões, a rua onde trabalhou ou o antigo bairro onde viveu.
Estudos e publicações médicas em revistas especializadas, como a que apareceu recentemente em Wired.com, demonstram como a realidade virtual pode ser uma ferramenta útil para pacientes com Alzheimer. Diego Redolar, professor de neurociências do Estudos de Ciências da Saúde da Universitat Oberta de Catalunya (UOC), destaca que a aplicação dessas técnicas pode ajudar os pacientes nos estágios iniciais da doença, já que podem atrasar o avanço.
Redolar explica que nas fases iniciais dessa demência neurodegenerativa, o paciente tem perda de atenção e memória desde que os primeiros neurônios que começam a morrer são aqueles relacionados a essas funções. "Estimular essas funções é muito positivo para o resto dos neurônios que ainda estão vivos e faz com que a doença não progrida tão rapidamente", diz o especialista.
Redolar compara os resultados dessas técnicas de realidade virtual com a atividade mental que o paciente teve ao longo de sua vida, o que ele chama de reserva cognitiva. "Em uma pessoa geneticamente predisposta a sofrer de Alzheimer ou com mais fatores de risco, mas que teve muita atividade mental ao longo de sua vida, os sintomas podem aparecer mais tarde, já que a reserva cognitiva permite que ele enfrente as alterações cerebrais causadas pela doença minimizando suas manifestações clínicas", explica. A mesma coisa acontece se as técnicas de realidade virtual forem aplicadas em fases iniciais, a evolução pode ser mais lenta, explica.
Segundo o especialista, pesquisador do Cognitive Neurolab, a realidade virtual também é "uma alternativa muito promissora" do ponto de vista emocional e afetivo do paciente. Isso porque os neurônios da região hipocampal, uma das primeiras estruturas cerebrais danificadas na doença de Alzheimer, são muito importantes para o humor das pessoas. "A conectividade do hipocampo com outras estruturas não funciona corretamente e isso pode levar a efeitos nocivos no humor", diz ele. A adoção de técnicas de realidade virtual ou videogames ajuda os neurônios a trabalhar bem por mais tempo, diz o especialista.
No entanto, o profissional ressalta que as técnicas têm efeitos apenas no início da doença. "Em estágios mais avançados, quando não há mais neurônios envolvidos no aprendizado ou memória e atrofia cerebral é mais difundido, os estímulos serão inúteis", explica.
Além do déficit de memória, nos estágios iniciais da doença pode ser detectado um déficit de expressão e compreensão de ordens complexas, problemas ao nomear coisas e tendência a participar cada vez menos em conversas familiares.
Pesquisas recentes
É precisamente nessas fases iniciais da doença ou em fases anteriores de diagnóstico onde a maioria dos estudos sobre realidade virtual e demências que existem atualmente estão focados. O Hospital Nice fez um exercício com vários pacientes com demência e perda parcial de memória com ferramentas de realidade virtual. O objetivo do estudo foi aumentar a concentração e melhorar a atitude dos pacientes com Alzheimer, que em estágios iniciais da doença podem ter ansiedade, depressão, irritabilidade ou apatia. Pesquisadores do Instituto Tecnológico de Castilla-León criaram um dispositivo baseado em tecnologia de realidade aumentada que alerta os usuários sobre possíveis situações perigosas, tarefas do dia-a-dia ou os ajuda a encontrar medicamentos.
Outras universidades estão trabalhando com realidade virtual para antecipar a possibilidade de demência no futuro. Por exemplo, um estudo do Centro de Doenças Neurodegenerativas em Bonn mostra que a maior ou menor capacidade dos jovens de navegar em um labirinto virtual pode ajudar a prever a possibilidade de que em um futuro distante eles possam sofrer de Alzheimer. E o Instituto Millennium de Neurociência Biomédica do Chile fez pesquisas para analisar os primeiros sinais da doença através de um exercício de realidade virtual que consiste em nadar em uma piscina até encontrar uma plataforma escondida.
O professor da Faculdade de Ciências da Saúde da UOC também destaca o papel de outras tecnologias digitais, como videogames na melhoria das habilidades cognitivas dos idosos. Um grupo de professores da Faculdade de Ciências da Saúde da UOC, incluindo a Redolar, realizaram uma revisão dos efeitos neuronais e comportamentais dos videogames. A análise desses especialistas conclui que há um importante benefício em questões de atenção, controle cognitivo, habilidades visuais e espaciais.
Realidade virtual em outras áreas médicas
Pierre Bourdin, professor de Ciência da Computação, Multimídia e Telecomunicações da UOC e especialista em realidade virtual, destaca a eficácia da realidade virtual em diferentes campos médicos além das demências, como acidente vascular cerebral, Parkinson, reabilitação ou situações de estresse pós-traumático, como as vivenciadas por militares que participaram de conflitos armados.
Bourdin lembra que o objetivo da realidade virtual é permitir que uma pessoa realize uma atividade cognitiva, sensorial e motora em um mundo criado digitalmente. Esse mundo pode ser uma réplica do ambiente real ou de um ambiente imaginário e, opcionalmente, o usuário pode ter sua própria representação gráfica, que é chamada de avatar. A ferramenta que permite desfrutar da realidade virtual é uma espécie de óculos ou capacetes que contêm uma tela móvel dividida em duas partes. "Cada peça apresenta ao usuário, com um sistema de lentes, uma imagem para cada olho, criando a ilusão de profundidade através de uma imagem estereográfica", explica Bourdin, que destaca as vantagens das terapias de realidade virtual em relação às convencionais.
Por exemplo, o fato de mudar o ambiente e poder variar os exercícios, permite melhorar a motivação do paciente e tirar mais dos exercícios de reabilitação. Ele também o considera muito útil no caso de fobias ou distúrbios e nos EUA tem sido usado em crianças ou veteranos de guerra que sofreram queimaduras. Bourdin explica que quando a enfermeira trocou as ataduras e aplicou o tratamento, as crianças colocaram os óculos para brincar em um mundo virtual. No caso dos veteranos de guerra, os pacientes entraram em um mundo virtual frio jogando bolas de neve em bonecos de neve, iglus, robôs e pinguins virtuais. Resultado: pacientes, crianças e veteranos, tiveram menos dor.
Por fim, o especialista em informática ressalta que essa ferramenta também é utilizada no treinamento de cirurgiões que realizam operações minimamente invasivas.
Pesquisa publicada pela Universidade Aberta da Catalunha.